O
ritual, quase sempre inconsciente, de transferir e expulsar maldades que
fazemos e culpas que sentimos, é um fenómeno recorrente que tem sobrevivido
através dos séculos em virtualmente todas as culturas. Na nossa, de raízes
judaico-cristãs, o “bode expiatório” pode ser encontrado nos rituais da
antiguidade judia descritos na Bíblia em Leviticos (um dos Livros do Antigo
Testamento).
No
Dia de Expiação, dois machos caprinos eram levados ao Grande Sacerdote. Um era
sacrificado pelos pecados do povo e sobre a cabeça do outro animal, o Grande
Sacerdote procedia á imposição das mãos e incutia nele os pecados e iniquidades
dos filhos de Israel, transferindo-os assim, simbolicamente, para a besta. O bode
era então levado para deserto e abandonado a seu destino, enquanto as gentes, aliviadas
por aquela purgação, sentiam-se completamente livres de culpas. As culpas,
agora, eram dos outros.
Desde
então, o conceito de “bode expiatório” evoluiu para assinalar em qualquer um,
simbólica ou concretamente, as maldades e culpas dos outros. Apesar dos seus
efeitos socialmente perversos na sociedade, este mecanismo é uma poderosa e
efectiva forma de defesa psíquica. No entanto, apenas pode dar ao indivíduo, a uma
comunidade, ou país um consolo de curto prazo, porque as consequências de
atirar as culpas aos outros sempre será um travão para o próprio
desenvolvimento individual e comunitário.
A
história demonstrou muitas vezes, que os “bodes expiatórios” não parecem ter a
eficácia desejada, porque para bem ou para mal, as maldades e as culpas
permanecem sempre na sombra do perpetrador. Inclusive, no mundo familiar, a
síndrome do “bode expiatório” apesar da violência que com frequência arrasta, é
um fenómeno reconhecido e bastante estudado, muito mais que o do que a nível da
sociedade em geral.
Segundo
a psicologia de Jumg, bem como os diferentes sistemas de psicologia transpessoal
e antropologia, a tendência a jogar todas as culpas sobre os demais tem
existido em cada cultura desde tempos imemoriais, ainda que os sacrifícios, hoje,
sejam meramente simbólicos. Em substituição, os indivíduos ou grupos de
indivíduos transferem para os demais os seus pecados e culpas através de sua
própria projecção mental. Este é geralmente um acto involuntário, permitindo
que um indivíduo veja a sua própria sombra (o lado escuro de sua personalidade)
nas personalidades de outros; ou, em forma muito mais eficiente ainda, quando o
"pecado" ou “sombra dele” é transferido para um grupo inteiro de
indivíduos, uma coletividade ou toda uma nação. Assim nasce a "sombra
colectiva". Quando um grupo de pessoas ou uma comunidade, permitem o
estereotipado étnico, religioso, político, ou racial, caem no perigoso pântano
do pensamento de grupo, estão prontos para se manifestarem inconscientemente
numa arriscada projecção de sombra colectiva. Segundo Carl Jung existem dois
tipos de projecção de sombra:
1)
SOMBRA PESSOAL: Contém características específicas da pessoa individual (
diferente da sombra colectiva). É uma entidade apreendida que por um breve
período de tempo, conscientemente, mas que por uma ou outra razão não foi
considerada (pelo Ego) e pelo seu todo merecedora de aceitação refletida e de
expressão. O desenvolvimento da Sombra ocorre em paralelo ao do Ego. Compõe-se
de defeitos (atitudes instintivas) e virtudes latentes (talentos que ainda não
foram realizados pelo indivíduo).
2)
SOMBRA COLECTIVA. A sombra colectiva emana do inconsciente colectivo e é uma
manifestação do aspecto escuro do MIM MESMO Ou “SELF”. É capaz de ser
projectada sobre grupos minoritários.
É
desta forma que os povos se fazem inimigos e justificam seus ódios e suspeitas.
JFM Lisboa -
PORTUGAL