quinta-feira, 25 de outubro de 2012

O BODE EXPIATÓRIO



O ritual, quase sempre inconsciente, de transferir e expulsar maldades que fazemos e culpas que sentimos, é um fenómeno recorrente que tem sobrevivido através dos séculos em virtualmente todas as culturas. Na nossa, de raízes judaico-cristãs, o “bode expiatório” pode ser encontrado nos rituais da antiguidade judia descritos na Bíblia em Leviticos (um dos Livros do Antigo Testamento).
No Dia de Expiação, dois machos caprinos eram levados ao Grande Sacerdote. Um era sacrificado pelos pecados do povo e sobre a cabeça do outro animal, o Grande Sacerdote procedia á imposição das mãos e incutia nele os pecados e iniquidades dos filhos de Israel, transferindo-os assim, simbolicamente, para a besta. O bode era então levado para deserto e abandonado a seu destino, enquanto as gentes, aliviadas por aquela purgação, sentiam-se completamente livres de culpas. As culpas, agora, eram dos outros.
Desde então, o conceito de “bode expiatório” evoluiu para assinalar em qualquer um, simbólica ou concretamente, as maldades e culpas dos outros. Apesar dos seus efeitos socialmente perversos na sociedade, este mecanismo é uma poderosa e efectiva forma de defesa psíquica. No entanto, apenas pode dar ao indivíduo, a uma comunidade, ou país um consolo de curto prazo, porque as consequências de atirar as culpas aos outros sempre será um travão para o próprio desenvolvimento individual e comunitário.
A história demonstrou muitas vezes, que os “bodes expiatórios” não parecem ter a eficácia desejada, porque para bem ou para mal, as maldades e as culpas permanecem sempre na sombra do perpetrador. Inclusive, no mundo familiar, a síndrome do “bode expiatório” apesar da violência que com frequência arrasta, é um fenómeno reconhecido e bastante estudado, muito mais que o do que a nível da sociedade em geral.
Segundo a psicologia de Jumg, bem como os diferentes sistemas de psicologia transpessoal e antropologia, a tendência a jogar todas as culpas sobre os demais tem existido em cada cultura desde tempos imemoriais, ainda que os sacrifícios, hoje, sejam meramente simbólicos. Em substituição, os indivíduos ou grupos de indivíduos transferem para os demais os seus pecados e culpas através de sua própria projecção mental. Este é geralmente um acto involuntário, permitindo que um indivíduo veja a sua própria sombra (o lado escuro de sua personalidade) nas personalidades de outros; ou, em forma muito mais eficiente ainda, quando o "pecado" ou “sombra dele” é transferido para um grupo inteiro de indivíduos, uma coletividade ou toda uma nação. Assim nasce a "sombra colectiva". Quando um grupo de pessoas ou uma comunidade, permitem o estereotipado étnico, religioso, político, ou racial, caem no perigoso pântano do pensamento de grupo, estão prontos para se manifestarem inconscientemente numa arriscada projecção de sombra colectiva. Segundo Carl Jung existem dois tipos de projecção de sombra:
1) SOMBRA PESSOAL: Contém características específicas da pessoa individual ( diferente da sombra colectiva). É uma entidade apreendida que por um breve período de tempo, conscientemente, mas que por uma ou outra razão não foi considerada (pelo Ego) e pelo seu todo merecedora de aceitação refletida e de expressão. O desenvolvimento da Sombra ocorre em paralelo ao do Ego. Compõe-se de defeitos (atitudes instintivas) e virtudes latentes (talentos que ainda não foram realizados pelo indivíduo).
2) SOMBRA COLECTIVA. A sombra colectiva emana do inconsciente colectivo e é uma manifestação do aspecto escuro do MIM MESMO Ou “SELF”. É capaz de ser projectada sobre grupos minoritários.
É desta forma que os povos se fazem inimigos e justificam seus ódios e suspeitas.


JFM  Lisboa -  PORTUGAL

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