quinta-feira, 21 de julho de 2011

TERRA


TERRA

Aceita a minha homenagem, Terra, enquanto faço a minha última vénia ao dia.
Ajoelhado aos pés do altar do poente

Tu és poderosa, e apenas reconhecível pelos poderosos;
Tu equilibras o encanto e a severidade,
Misturando o masculino com o feminino,
Trazendo à vida humana o insuportável conflito.
A taça que a tua mão direita enche com nétar
É esmagada pela tua mão esquerda;
O teu pátio ressoa com o teu riso trocista.
Tornas o heroísmo difícil de alcançar;
Toda a excelência custosa
Não tens misericórdia com aqueles que merecem misericórdia.
Um incessante combate oculta-se a teus pés:
As tuas colheitas e frutos são coroas de vitória ganhas na batalha.
Terra e mar são os teus cruéis campos de batalha –
A vida proclama o seu triunfo no rosto da morte.
A civilização finda os seus alicerces na tua crueldade:
A ruína é a condenação exata para qualquer falta.

No primeiro capitulo da tua história os Demónios eram supremos –
Rudes, bárbaros, brutais
Aos seus dedos toscos e grossos faltava arte;
Com clavas e malhos nas mãos armaram motins do mar e nas montanhas.
O seu fogo e o seu fumo agitaram violentamente o céu até ao pesadelo;
Eles controlaram o mundo inerte;
Eles cegaram o ódio da Vida.

Os deuses vieram a seguir; com os seus feitiços e subjugaram os Demónios –
Despedaçada foi a insolência da matéria
A Terra-Mãe estendeu no seu manto verde:
Nos picos do Este estava a Aurora;
Nas costas Oeste caiu A Noite
Derramando a Paz no seu cálice

Os Demónios foram humilhados
Mas a barbárie primordial manteve as suas garras na tua história.
De repente podia invadir a ordem com a anarquia –
Dos negros esconderijos do teu ser
Pode surgir como uma serpente.
A sua loucura está no seu sangue
Os feitiços dos deuses ressoam no céu e no ar e na floresta,
Cantando solenemente dia e noite; alto e baixo;
Mas das regiões sob a tua superfície
Às vezes os Demónios semidomesticados levantam os seus capelos –
Eles ferem-te profundamente e às tuas criaturas
Arruinando a tua própria criação.

No teu assento sobre o bem e o mal,
À tua vasta e terrível beleza,
Ofereço hoje a minha homenagem de vida ferida.
Toco o teu enorme e sepultado depósito da vida e da morte,
Sinto-o através do meu corpo e do meu pensamento.
Os cadáveres de inúmeras gerações de homens jazem amontoados no teu pó:
Eu também acrescentarei alguns punhados, a medida à medida da final das minhas dores e alegrias,
Acrescentando a esse enorme absorvente, a essa forma absorvente, a essa fama absorvente,
A esse silencioso monte de pó.

Terra, presa à pedra ou voando entre as nuvens;
Absorta na medição silenciosa da cordilheira
Ou ruidosamente como o bramido de insones ondas do mar;
És a beleza e a fertilidade, o terror e a fome.
Por um lado acres de searas, inclinando-se com a maturação,
Limpas do orvalho de cada manhã por delicados raios de sol –
Ao poente também, oferecendo na sua ondulante verdura a Alegria, a Alegria;
Por outro lado, nos desertos insalubres, secos, estéreis,
A dança de espetros entre ossos de animais espalhados.

Contemplai as tuas tempestades Baisakh desceras velozmente como falcões negros
Rasgando o horizonte com bicos de luz relampejante
Com chicotada da cauda nas arvores
Até estas caírem desesperadas no chão;
Telhados de colmo soltam-se
Fugindo do vento como condenados das suas correntes.

Mas em Phalgun vi a quente brisa do Sul,
Propagar todas as rapsódias e solilóquios do amor
No seu perfume de flor e manga;
Vi o vinho espumante do Céu transbordar da taça da lua;
Ouvi sebes submeterem-se bruscamente à agitação do vento
E estalarem em ofegantes murmúrios.
Tu és gentil e feroz, antiga e renovada;
Emergiste do fogo sacrificial da criação original há muito, muito tempo.
A tua peregrinação cíclica está preparada com vestígios sem sentido da história;
Abandonando as tuas criações sem remorsos, juntas umas sobre as outras,
Esquecidas.

 Guardião da Vida, tu alimentas-nos
Em pequenas gaiolas de tempo fragmentado,
Fronteiras de todos os nosso jogos, limites reconhecidos.

Hoje, estou à tua frente sem ilusões:
Não te peço a imortalidade à tua porta
Para os muitos dias e noites que passei a tecer as tuas grinaldas.
Mas se eu tivesse dado real valor
Ao teu pequeno assento um minúsculo segmento de uma das Eras
Que se abrem e fecham como clarões nos milhões de anos
Da tua órbita solar ;
Se eu tivesse ganho nos tribunais da vida algum sucesso,
Então marcaria a minha fronte com um sinal feito da tua argila –
Para  ser apagado a tempo pela noite
Na qual todos os sinais desaparecem no desconhecido final.

Ó longínqua, impiedosa Terra,
Antes de eu ser completamente esquecido
Deixa-me colocar a minha homenagem aos teus pés.  

Poesia de Tagore

JFM Lisboa - Portugal 

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