quinta-feira, 5 de setembro de 2013

O ESPÍRITO REBELDE



 "…José Harkuch era cobarde. E ao ouvir as palavras cálidas e entrecortadas da sua filha, sorria com o sorriso do pusilânime que vê no leão morto. Na sua covardia, temia à morte, e não podia pensar num falecimento natural. O que ia achar se Maria se suicidasse?...
E quando ela terminou de falar, ele contestou:
— Arrependo-me ter alongado tanto o prazo do casamento, mas amanhã mesmo falarei com o Emir para adiantá-lo.
Maria levantou-se do solo. E com um tom saturado de orgulho e vingança, disse ao Bey:
— Está bem... Quis convencer-te com provas e razões justas, mas tu não as quiseste escutar... Agora, ouve bem o que te vou dizer: Meu corpo pertence-te, minha alma pertence a Deus... Mas, só eu sou dona de minha vontade! É a minha última palavra...
Maria não pôde terminar. A mão brutal de José Bey, caiu sobre seu rosto, obrigando-a a cair desmaiada.
Contemplou-a um momento, e quando a ternura ia bater à porta de seu coração, a brutalidade negou abri-la.
— Ah, mulheres! -Exclamou— conheço muito bem vossa astúcia... Podes morrer, mas antes casar-te-ás com o Emir.
Neste momento, a porta girou sobre seu eixo, deixando entrar a criada que ao ouvir um ruído no quarto de seu senhor, vinha ver de que se tratava.
Viu Maria estendida no solo, cujo conhecimento tinha perdido de seu domínio, e começou a reanima la com carícias e palavras sentidas.

José Bey Harkuch abandonou a sala.
Antes que se acorde o homem ou a mulher do sonho de criança; antes que os deuses prendam o fogo do amor no coração; antes que germinem as sementes do carinho, os pais tentam casar a seus filhos. Durante aquele sonho, a jovem acha que o cúmulo da felicidade consiste num vestido que enfeite a figura, num carro que a conduza a um lugar de diversão ou um enxoval completo e luxuoso a rodeá-la. Mas quando se acorda, quando a luz abre suas pálpebras e sente que línguas de um fogo sagrado calcinam seu coração, quando suas asas se movem para levantar ao céu do amor, se encontra sujeita às correntes das leis antes de compreender que é a lei; então sente que a felicidade não consiste, para a mulher, em jóias ou vestidos, mas no amor que une sua alma à do homem e que o faz derramar os sentimentos do seu coração, formando de dois, um só membro de corpo da vida e uma só palavra na boca de Deus.
Maria acordou do sonho juvenil e viu uma luz suave que emanava dos olhos de Juan. Fecharia seus olhos para não a ver? Escutou uma harmonia celestial que invadiu todo o seu ser... Fecharia os seus ouvidos para não a ouvir?...
Ainda que feche os ouvidos e cerre os seus olhos, sempre teria que ver e ouvir. Mas, como abandonar a um homem que a adora e seguir a outro a quem odeia, só por obedecer às leis da terra?... Maria quer fazer a vontade de sua alma, quer escutar o grito de seu coração e os cantos dos anjos. Maria não se quer casar com um capitalista que herdou sua fortuna de um pai avaro e que se deixou educar por aqueles que vagueiam pelas ruas. Porque uma vez terminada a lua de mel — lua que terá um eclipse —, ele abandoná-la-á em seu palácio, como abandona o ébrio a garrafa que tem esvaziado; abandoná-la-á para voltar às mulheres perdidas. Então não lhe restará mais que procurar a um jovem formoso, de palavra suave, para derramar em seu espírito os sentimentos e lhe encher os bolsos com o tesouro de seu esposo...
 Maria é uma jovem instruída e pede por esposo a um homem mais instruído que ela. Não quer um marido, senão um dono carinhoso, um homem que jogue com ela como se fosse uma menina. Maria não quer, nem pode querer a um homem que mais pertence à escala zoológica que à humana. Maria não podia pensar como a esposa de Rousseau, dizendo: "Que desgraça é ter um sábio por marido!"
Todo ser na terra vive pela lei da natureza e da natureza da sua lei lhe vêm da glória de gozar da liberdade. Será o homem o único ser privado de dita liberdade, porque cria para sua alma divina, uma lei humana, muito limitada?...
Essa mesma noite, e quase à mesma hora, chegou Juan à janela em onde lhe esperava sua querida.
Depois do acostumado abraço, Maria disse-lhe:
— Por que tens demorado?...
— Chamas tu atraso chegar dez minutos antes da hora do costume?
— Deus meu! Que dia tão longo tenho passado!
— Por que, amada?... Que te passa?
Maria não pôde falar. Inclinando no ombro de Juan, rompeu a chorar.


Textos fragmentados do livro: "O Culto ao Fogo e A Doutrina do Fogo" e complemento esotérico do livro do Dr. JORGE ADOUM


JFM – Lisboa - Portugal

Nenhum comentário:

Postar um comentário