quinta-feira, 17 de março de 2011

A ARTE DA AUTO-OBSERVAÇÃO

Examinar com cuidado os próprios erros certamente significa um passo decisivo na árdua tarefa da autotransformação. Para surtir efeito, porém, esse olhar minucioso para si mesmo deve ser feito sem pressa, sem orgulho, ou medo de punições.

Por Carlos Cardoso Aveline*

Confesso que sou aprendiz, há muitos anos, de algo que se pode chamar “a arte da auto-observação”. Esta prática tem dado o alicerce para minha busca espiritual.
A leitura atenta de bons livros e a meditação regular elevam os pontos mais altos da minha vida interior. Mas é a auto-observação diária que eleva os pontos mais baixos, porque permite identificar serenamente os erros cometidos, compreendê-los, e então tirar deles as lições necessárias.
A prática regular da auto-observação mostrou-me que devemos ter todo respeito pelos nossos erros, porque eles encerram o segredo - e a chave - para percorrer vitoriosamente o longo processo de auto-aperfeiçoamento.
O professor de qualquer língua estrangeira sabe que, em um grupo de alunos, aqueles que não têm vergonha de mostrar seus erros de pronúncia serão rapidamente corrigidos pelo instrutor e se verão livres dos erros.
Está escrito em algum lugar que uma das regras dos verdadeiros discípulos dos mestres de sabedoria é “mostrar seus defeitos e esconder suas qualidades”. No entanto, o que fazemos muitas vezes é o oposto. Exageramos nossas qualidades e negamos a existência de nossas falhas. Deste modo, nossa capacidade de aprender fica reduzida.
Jesus aborda este problema prático quando afirma, em Mateus 23: “O maior entre vocês será aquele que serve a vocês. Aquele que se exaltar será humilhado e aquele que se humilhar será exaltado”. Não há aqui uma vontade justiceira de castigar os maus e premiar os bons. Trata-se apenas de uma questão técnica de aprendizado: quem deixa seus erros à mostra e os examina à luz do dia aprende mais rápido. Quem esconde medrosamente os seus erros não terá como corrigi-los e acabará escravizado por eles. Falando aos escribas fariseus, a quem chamou de falsos, Jesus dirigiu-se também, de certo modo, a todos os que têm dificuldade de admitir seus erros: “Por fora vocês parecem justos, mas por dentro estão cheios de hipocrisia e iniquidade”.
De nada adianta, porém, atirar-se ao poço da autocondenação, renunciando à satisfação de viver ou à sensação de contato interior com o que é sagrado. O exame sereno dos erros deve estar livre de todo sentimento de condenação, infelicidade ou autocastigo. Segundo a arte da auto-observação, é preciso, em vez disso, examinar nossos erros à luz de nossos acertos e olhar nossa natureza inferior à luz do nosso potencial divino. Deste modo, erros e falhas não nos hipnotizam, mas aprendemos a integrar céu e terra, positivo e negativo, luz e sombra ao nosso longo processo de crescimento interior.
Às vezes alguém lê alguns livros sobre espiritualidade, forma aos poucos uma imagem idealizada de si mesmo, pensa que transcendeu e começa ingenuamente lutar pelo reconhecimento dos outros. No entanto, cada vez que começamos a ter uma opinião muito alta de nós mesmos, estamos subestimando a observação de nossos próprios erros como fonte de paz, harmonia e equilíbrio em nossas vidas.
Não há muito lugar para a auto-importância na mochila de quem avança pelo caminho íngreme e perigoso que leva - morro acima - a espiritualidade verdadeira. Mas os erros que fazem parte da nossa bagagem podem servir de alimento. Mastigando-os, processando-os, a sua transmutação alquímica nos dará mais força, enquanto nossa mochila perde gradualmente seu peso.
Os Versos de Ouro - talvez o mais importante dos textos pitagóricos conhecidos - incluem a auto-observação como uma prática a ser feita todo dia pelo buscador da verdade:
“Nunca deixe que seus olhos se fechem, à noite, antes que sua consciência examine suas ações durante o dia. Pergunte-se: “O que eu fiz de errado? O que fiz corretamente? O que poderia Ter feito, mas deixei de fazer?” E decida continuar fazendo o correto, e abandonar o erro.”

Paulo de Siqueira
Curitiba PR
BRASIL


Nenhum comentário:

Postar um comentário