Fantasias são artifícios que utilizamos para nos
sentirmos melhor diante de situações ruins. São formas de compensar, negar, uma
realidade adversa. De certo modo, as fantasias são uma defesa da psique.
Em nossas fantasias, brincamos de casinha, de empresa, de religião, fingimos
ser artistas de novela, modelos de passarela, cantores famosos, jogadores de
futebol. Como se ainda fôssemos crianças, continuamos a fantasiar a vida, sem
nos darmos conta. Guardadas as devidas proporções, a situação é quase a mesma.
Enquanto as crianças se apegam aos seus brinquedos, apegamo-nos aos nossos;
enquanto as crianças choram quando vão para a escolinha pela primeira vez,
choramos quando nos separamos de algo a que temos apego. A diferença é que as
crianças fantasiam a realidade, mas estão sempre abertas ao novo, estão sempre
buscando conhecer, aprender, compreender. Surpreendem-se com as novidades, com
cada nova descoberta. Já nós, adultos, fantasiamos a vida e nos fechamos ao
novo, convencidos de que chegamos à última instância da realidade.
A fantasia embota a mente, de forma a nos impedir uma visão nítida da
realidade, da verdade. É como um treino cuja finalidade é nos transformar em
tolos. Aliás, um treino que realmente tem dado muito certo. Pelo que parece,
inclusive, vem superando as expectativas.
Na busca por prazeres mentais, fantasiamos a realidade. Pode-se dizer que este
processo é uma espécie de onanismo mental.
Alucinados, vivemos a fantasia de ser um personagem escolhido e agimos como se
fôssemos realmente este personagem construído em nossa mente; agimos como se fôssemos
esta auto-imagem, este cúmulo de ilusões sobre nós mesmos. Identificamo-nos, apaixonamo-nos
por esta criação.
Sorrimos e nos comprazemos com situações idiotas, ao imaginarmos as cenas
fantasiadas. Ou seja, as imagens que artificialmente montamos em nossas mentes
nos fazem sorrir.
A vida é como um sonho, um sonho é como a vida.
Passamos nossos períodos de vigília como se estivéssemos sonhando. E nessa
ciranda, aquela pessoa que achamos agradável e simpática num primeiro momento
torna-se antipática e desagradável no momento seguinte. Tudo se dá exactamente
como num sonho, onde estamos diante de uma determinada cena e, logo a seguir, a
cena se transforma. Não nos damos conta deste processo no estado de vigília,
nem muito menos nos sonhos. As cenas mudam drasticamente, coisas impossíveis
acontecem, e continuamos como se nada estivesse ocorrendo. Nada questionamos,
não questionamos as loucuras vividas no sonho, não questionamos nossas mudanças
de humor, de conceito, de valores, de opinião, no estado de vigília. Durante o
período de sono, repetimos em sonhos tudo que fazemos no período de vigília.
Repetimos costumes, actos, gestos mecânicos, realizamos fantasias, liberamos
repressões.
Como já foi dito, usamos a fantasia como mecanismo de defesa. Por exemplo, para
fugirmos do mal-estar de uma crítica recebida, fantasiamos a nosso respeito,
fantasiamos a respeito de quem nos critica, inventamos uma cómoda realidade em
nossa mente. Para fugirmos da dor de um abandono, convencemo-nos de que foi
melhor assim, de que nos livramos de alguém que não nos faria feliz, e
arrumamos desculpas compensadoras, como a ideia de que ficamos com bens
materiais. Pode ser até que este abandono tenha sido, de fato, melhor solução
para nós. Mas, em nossa ignorância, influenciados pelos egos e cheios de
mágoas, esta visão é apenas uma fuga da realidade interna, uma vez que negamos
nossas mágoas, tristezas e frustrações.
O orgulho, a vaidade, o amor próprio, a auto-importância, estão todos enraizados nas fantasias Se uma pessoa provocante nos desperta o desejo de possui-la, nossa mente começa a criar uma série de imagens ligadas a essa atracão. As fantasias se acumulam, as sensações se exacerbam, e nos viciamos em tais sensações. Se alguém do sexo oposto nos trata de forma carinhosa, já fantasiamos que esta pessoa está interessada em nós, que nos admira, que aprecia nosso corpo, nosso rosto, nossos olhos, nosso sorriso, nosso cabelo. E uma onda de sensações e prazeres toma conta de nós. Mas tudo isso são ideias que temos sobre nós mesmos, não passam de projecções de nossa mente.
O orgulho, a vaidade, o amor próprio, a auto-importância, estão todos enraizados nas fantasias Se uma pessoa provocante nos desperta o desejo de possui-la, nossa mente começa a criar uma série de imagens ligadas a essa atracão. As fantasias se acumulam, as sensações se exacerbam, e nos viciamos em tais sensações. Se alguém do sexo oposto nos trata de forma carinhosa, já fantasiamos que esta pessoa está interessada em nós, que nos admira, que aprecia nosso corpo, nosso rosto, nossos olhos, nosso sorriso, nosso cabelo. E uma onda de sensações e prazeres toma conta de nós. Mas tudo isso são ideias que temos sobre nós mesmos, não passam de projecções de nossa mente.
Muitos se sentem orgulhosos de sua posição social, posses, bens e títulos. Mas
basta pensarmos um pouco mais além para concluirmos que tudo não passa de uma
ilusão. A posição social é uma questão exclusivamente mental, criada a partir
de uma série de impressões que, por sua vez, dão origem a falsas sensações,
conceitos, valores e padrões. Quando avaliamos esse estado mais profundamente e
descobrimos que ele é apenas mais um artifício da mente, podemos compreender
que uma posição social é algo restrito apenas ao mundo das ideias e se
manifesta na forma de impressões e sensações ilusórias.
Mas nossas fantasias não ficam apenas nisso. Fantasiamos tudo, fantasiamos
nossa realidade espiritual, psicológica, social e familiar.
O rico acha que é mais que o pobre, o pobre acha que é mais que o rico. Existe
em nós uma necessidade de nos acharmos mais, melhores e maiores.
Não conseguimos olhar directamente a realidade, a crua verdade dos fatos, o
deserto do real. Precisamos de fantasias que nos anestesiem e nos permitam
viver sem a dor da verdade. O que muitos chamam de esperança não passa de mera
ilusão, fantasia, sonho. Ter esperança de ganhar na lotaria, por exemplo, é uma
ilusão, uma fantasia que compensa a frustração de uma situação financeira
precária; é uma fuga, uma projecção da frustração, da não aceitação, da
insatisfação, do descontentamento com a real situação. que criamos, nas ilusões
que construímos sobre nós mesmos, sobre a realidade.
Expandindo um pouco a questão da esperança, da
falsa esperança, podemos observar muitas outras variações neste sentido, tal
como sonhar com um emprego melhor; uma casa maior e mais bonita; um carro
melhor; conquistar alguém jovem, bonito e charmoso; ter um relacionamento
perfeito; abrir o próprio negócio; não ter que trabalhar e poder aproveitar a
vida; ter família e filhos, etc. Repetindo o que já foi dito anteriormente,
todas essas esperanças são ilusões, fantasias que só exacerbam a frustração com
a situação vivida, com a condição real; são formas de compensação, de fuga, de projecção
da frustração, da não-aceitação, da insatisfação, do descontentamento com a
situação actual, com a condição real. Essas esperanças são recursos que podem
gerar motivação de vida a muitas pessoas, mas são também uma forma de negação,
de fuga de realidades muitas vezes adversas, são saídas que arrumamos para
podermos lidar com situações desfavoráveis, desagradáveis. A esperança, a
fantasia, o sonho de realizar algo no futuro é uma forma de compensar nossa
incapacidade de realizar nossos projectos no momento presente.
Vivemos fantasiando sobre nós mesmos e ficamos irritados quando as pessoas não fazem o que queremos, quando não se comportam como esperamos, quando, de alguma forma, vão contra as nossas fantasias, quando nos chamam atenção, nos criticam ou ofendem, retirando-nos da fantasia ou desconstruindo-a dentro de nós, estragando o prazer e o bem-estar que ela nos dá. É como se estivéssemos dormindo e navegando felizes em nossos sonhos e alguém nos acorda, provocando nossa irritação e mau humor. A fantasia é apenas um sonho.
Vivemos fantasiando sobre nós mesmos e ficamos irritados quando as pessoas não fazem o que queremos, quando não se comportam como esperamos, quando, de alguma forma, vão contra as nossas fantasias, quando nos chamam atenção, nos criticam ou ofendem, retirando-nos da fantasia ou desconstruindo-a dentro de nós, estragando o prazer e o bem-estar que ela nos dá. É como se estivéssemos dormindo e navegando felizes em nossos sonhos e alguém nos acorda, provocando nossa irritação e mau humor. A fantasia é apenas um sonho.
A título de ilustração, vejamos um exemplo
prático. Um sujeito chega a um banco sentindo-se importante, poderoso, vaidoso,
seja porque está impecavelmente bem vestido, ou por ter uma conta razoável
naquela instituição, ou por conhecer pessoas influentes ali, ou por ocupar um
cargo importante, ou por ter este ou aquele título, ou por trabalhar em uma
grande empresa, ou por ser dono de um carro de luxo, morar em local nobre, etc.
Movido por esse tipo de fantasias que habitam sua mente, ele adentra o dito
banco e projecta-as para os outros, juntamente com sua auto-adoração, seu amor
próprio. E, quando alguns lhe abrem um sorriso, saúdam-no, cumprimentam-no, ele
acredita que todos estão a lhe adorar, tem a sensação de ser reconhecido,
aceito, admirado, sente-se importante. Mas todo o seu enleio se desfaz quando,
ao passar passa pela porta magnética, ela trava. Então fica ofendido,
indignado, e se pergunta como o segurança teve a petulância de não lhe
reconhecer, faltando-lhe com o respeito – um procedimento inconcebível, logo
com ele, que é tão importante. É neste exato momento que cabe a comparação com
o despertar de um sono. O problema é que este indivíduo continua a dormir,
insiste na realidade fictícia do sonho, da fantasia. Em algumas vezes, fica
nervoso, discute, reclama. Em outras, pode adoptar atitudes revanchistas e
vingativas, como, por exemplo, se exibir ao cumprimentar autoridades ou pessoas
que julga importantes, como se quisesse alardear: “Viu só como sou importante?
Conheço o fulano, que é chefe de tal departamento!” Pode ser também que
simplesmente arraste o segurança, que só estava cumprindo seu dever, para as
cavernas de sua mente, e lá acabe com ele, desmoralizando-o, humilhando-o,
desqualificando-o, arrasando-o. Tudo baseado em puras fantasias, fantasias
sobre si mesmo, sobre a realidade. A mente cria problemas onde existe apenas
uma situação que, na maioria das vezes, é uma situação simples, comum.
Evidentemente, não percebemos que estamos
fantasiando a vida, assim como acontece nos sonhos, onde não percebemos que
sonhamos.
Este tipo de situação acontece frequentemente nos mais diversos cenários: quando
somos barrados em portarias de empresas, de prédios, condomínios ou
restaurantes, independente de frequentarmos assiduamente tais lugares ou não.
Fantasias desta ordem envolvem a ilusão ou sensação de controle, superioridade,
poder, status, fama, popularidade – aspectos que já foram ou serão aprofundados
em outras oportunidades.
A fantasia está baseada na falta de auto-conhecimento, e por isso gera medo,
insegurança, vergonha, incerteza, indecisão, dúvida.
Criamos uma ideia sobre nós mesmos, uma fantasia, apaixonamo-nos pela nossa criação e tentamos projecta-la para os outros, para o mundo. Tentamos convencer
os demais de que somos como definimos em nossa fantasia. Esta tentativa de se projectar
uma imagem pode acontecer sob as mais diversas formas, tais como: usar roupas e
acessórios de grife, adquirir carros sofisticados ou casas luxuosas, ostentação
de títulos. Por exemplo, uma pessoa que se acha intelectual vai tentar acumular
títulos para validar, para comprovar, a sua intelectualidade. Perante os
demais, sua postura deve ser a de um intelectual erudito, informado, ágil no
pensar. Aparecerá sempre carregando livros, revistas, jornais, e aproveitará
qualquer oportunidade para mostrar que sabe das coisas, para vangloriar-se de
seus títulos.
Cria-se uma fantasia sobre si mesmo e sobre a
existência; tenta-se projectar essa fantasia para o mundo, representando-a por
meio de objectos externos, a fim de validar, afirmar, dar consistência e
realidade a tal projecção. Assim se dá a busca por auto-afirmação.
Evidentemente, uma fantasia sobre nós mesmos não
passa de fantasia, assim como uma ideia sobre nós mesmos não passa de uma ideia.
Portanto, é algo de bases muito frágeis. Quando erramos ou quando somos
criticados, tentamos nos defender, arrumamos justificativas, desculpas, para
tentarmos nos afirmar, para tentarmos convencer o outro – e a nós mesmos – da
veracidade de nossa fantasia.
É muito difícil perceber não só as nossas
próprias fantasias como também as fantasias colectivas, aquelas que todos acham
que é real, que tomam como verdade. Mas, em relação às fantasias particulares
dos outros, percebemo-las até com certa facilidade, assim como percebem as
nossas.
Uma pessoa muito sábia disse: O desejo projecta os objectos do desejo,
imaginamos que eles tem existência real, porque muitas pessoas os vêem, eles
adquirem uma realidade ilusória, mas é somente o desejo que os torna objectos.
Por exemplo, uma mulher, por si mesma, não é objecto de desejo, ela é o que é,
mas o desejo de alguém por ela a transforma em um objecto. O que é atractivo
para um homem pode não ser para outro, não existe qualquer objecto, qualquer atracão
por si, porque a natureza de uma coisa como ela é, a faz existir de uma vida
independente... Cada coisa é o que é, mas o desejo a projecta como um objecto
para si, daí surge a busca, e por trás de cada busca há uma noção de valor que
pode ser religiosa, política ou pessoal.
O contrário desta afirmação também é uma verdade. Ou seja, não é porque muitas pessoas não vêem ou não acreditam em algo que este algo não existe. As coisas são o que são, quer se acredite nelas ou não. As coisas não deixam de existir porque as pessoas não acreditam nelas.
Precisamos trabalhar sobre nós mesmos, precisamos nos auto-conhecer, precisamos
eliminar as fantasias para que o real Ser possa vir à tona.O contrário desta afirmação também é uma verdade. Ou seja, não é porque muitas pessoas não vêem ou não acreditam em algo que este algo não existe. As coisas são o que são, quer se acredite nelas ou não. As coisas não deixam de existir porque as pessoas não acreditam nelas.
JFM Lisboa- Portugal
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